O campo da interação é um campo maravilhoso. Nós temos um corpo e o mundo está aí à nossa volta. Isso não pode ser negado. Mas isso se torna um problema a partir do momento em que usamos o campo da interação como a única esfera para nos sentirmos vivos, ativos, brilhantes. Aqui começa o engano!
Nós vamos nos esquecendo de outras qualidades e de outros elementos fundamentais para que a vida continue nos encantando, nos dando a sensação de aventura e fluidez enquanto ela mostra dinâmica, surpreendente, incontrolável, não pessoal... Várias qualidades estão no ar, como perfume. Mas o que acontece?
Sempre que fazemos uma escolha e vamos realizar algo específico, nós elegemos um foco. Por exemplo, quando você vai se relacionar com alguém, você deixa de se relacionar com milhões de outras pessoas. Você chega a um ambiente e tem várias coisas para fazer, mas você vai fazer uma, vai, por exemplo, varrer o chão. Então, quando você vai experienciar algo, um foco é feito e mantido.
Isso é muito natural, e também não é um problema. O problema começa quando esse foco permanece por muito tempo. Nós não retornamos para o ambiente aberto, que é o instante antes da escolha. É justamente isso que não estamos percebendo.
Quando você escolhe varrer o chão, por exemplo, você se esquece daquele momento aberto que havia alguns instantes antes, em que você tinha o poder de olhar em várias direções, em que poderia, talvez, lavar a louça, tirar o pó, ou simplesmente sair do ambiente sem fazer nada disso. Você tinha o poder de tomar o seu corpo e fazer várias coisas. Você tinha o poder de posicionar a sua mente e exercer inteligências diversas.
Durante a atividade, você elabora, faz o que tem de ser feito, faz contato, as experiências ocorrem... Porém, quando você se mantém focada, quando mantém uma interação única por muito tempo, aquela experiência que tinha um aspecto lúdico, luminoso, brilhante, plástico, começa a ficar dura. Talvez surja um “especialista” naquela atividade. A experiência parece ir ficando mais sólida, mais rígida. Você já não consegue sentir muita mobilidade, o espaço para a criatividade vai se perdendo.
Mas, então, o que seria saudável, mesmo por dentro dessa escolha? Como começar a integrar aqui os elementos sutis da realidade?
Nós deveríamos sempre nos lembrar da abertura do momento inicial. As experiências deveriam se parecer muito mais com uma pulsação do que um foco único e linear. Se permanecerem nesse pulsar, as experiências vão ganhar vitalidade, brilho e trarão uma sensação de aventura. Muitas descobertas a cada experiência!
Você se abre, solta-se do que foi escolhido e feito. Experimenta um instante de imediata suspensão. E depois você esta livre. Pode até retornar para a mesma atividade. Só que ainda assim será diferente, porque você exalou, fez uma pequena pausa e olhou ao redor. Você deu, e se deu, espaço! Assim, ainda que você decida voltar para o mesmo campo de interação, já não será a mesma coisa. Você já deu esse respiro. Você já trouxe esse frescor de novo. Você já deixou que as coisas se movessem, por um momento, fora do controle habitual.
Então, as experiências poderiam pulsar mais. Você vai lá, faz alguma coisa, interage e solta. Esse se soltar é só tirar um pouquinho as mãos daquilo que está fazendo, descansar um pouquinho os olhos daquilo, deixar a pessoa, o objeto, a situação se mover um pouquinho sem a nossa manipulação, sem o nosso olhar fiscalizador!
Para as relações isso vai se mostrar como um grande remédio. Porque esse instante de suspensão é o próprio exercício da Solitude. Você fica só, deixa a outra pessoa, ou o que quer que seja, na sua Solitude. Você fica à vontade e deixa tudo à vontade também. Assim, cada um se relembra do seu chão: “Ah, eu respiro, olha só! Eu consigo respirar sozinha, que mágico! Eu consigo respirar sem ficar o tempo todo em cima do outro, para ver se ele está bem, se está mal. Eu consigo respirar sem precisar que a outra pessoa fique me abanando, me dando atenção o tempo todo. Olha só quanto espaço. Que alívio, que delícia!”
E isso não é nem um pouco complicado. Nós não precisamos de grandes roteiros, planejamentos, estruturas, para relembrar essas qualidades da vida, das experiências, de nós mesmos. O que vai ser exigente é o exercício em si, porque, ou isso é aplicado, ou essa reflexão não serve pra nada.
Tem que ter o seu sangue nisso. Você tem que colocar o seu sangue nessa experiência. Tem que colocar a vivacidade da sua existência. Você vai ter que participar. Você vai precisar se expor a essa experiência. Caso contrário, não vale de nada. Não adianta sair com palavras bonitas por aí.
Receber informações é bom, mas não é suficiente. É preciso baixar a nova visão para o corpo, para a sua musculatura, suas vísceras, seu sistema nervoso, suas sinapses, sua sensorialidade.
Precisamos lembrar do poder do corpo: ou essas reflexões se tornam vívidas como o pulsar do coração, ou nada vai acontecer. É o corpo que sela a experiência – é ele que confirma se essa reflexão foi feita profundamente em seu ser ou não, se a reflexão ganhou vida ou permanece apenas como uma teoria. Não basta ficar com palavras. Precisamos nos expor a elas, ao que elas apresentam, precisamos ir na direção para a qual elas apontam. É preciso se expor completamente a esse exercício e tomar o que há de mais gostoso em tudo isso: saborear direta e profundamente cada experiência, cada encontro, cada dia dessa vida.
Então, há essa dança! Há o foco, há a suspensão do foco. Há a interação e há a suspensão da interação. E enquanto dançamos entre pausa e movimento, entre foco e abertura, a vida se mostra como ela e nós nos descobrimos pulsando junto com ela, em harmonia, encantados e encantadores.
Teste! Eis um risco que vale a pena correr.