
Um dia desses, enquanto caminhava, fui tomada por uma imensa sensação de liberdade e do fundo da experiência emergiu uma palavra: VADIAGEM!
Era o que sentia meu corpo, sendo impossível me desviar dessa palavra que naquele momento parecia desvendar um segredo, me permitindo tocar onde todo mundo sempre me disse “tire a mão”!
Ah, então é isso! Vadiar é isso.
Que coisa mais linda!
Eu andava livre, sentindo que tudo estava totalmente aberto, que eu podia seguir reto, virar à direita, à esquerda, dar meia volta, parar, falar com qualquer pessoa, ou até mesmo sair andando e sumir pra sempre. Qualquer coisa era possível.
E os passos foram ficando cada vez mais soltos e deliciosos. Nossa, como havia espaço! Como era bom vadiar. E nisso, fui sendo tomada por uma enorme alegria, por estar tão livre e inteira naqueles passos sem destino, cada um tão cheio de vida e entusiasmo. Estava super conectada com o chão e a cada lugar que se abria, enquanto simplesmente andava.
Aí me perguntei: por qual razão a palavra “vadia” era usada com tanto peso e desprezo, especialmente em relação às mulheres? Sim! Pois a diferença está expressa no próprio dicionário. Não como verbo, pois significa apenas “vaguear”, mas como adjetivo a coisa muda drasticamente! Depende muito de quem vagueia.
E aí minha indignação só aumentou. Pois pra mim, naquele dia, a palavra “vadia” me coube tão bem, com tamanha perfeição, vestindo-me de tanto conforto, que não podia deixar de fazer algo para “limpar” a barra desse ato tão lindo que é vadiar.
Mais do que a própria palavra, o ato em si expressava claramente a condição da minha alma desprendida e rebelde. E percebi que a vida em mim é que me fazia ser aquela mulher vadia. E qualquer coisa que não fosse isso, era violência e traição à minha própria natureza.
Então, fui entendendo porque fizeram dessa palavra (vadia) um xingamento: para que tivéssemos medo de andar livres e ousar pôr à mostra a radiância da nossa beleza selvagem. E também para que esquecêssemos de que antes de nós mesmas, a primeira grande vadia a circular pela terra, foi a própria vida. Ela, a Mãe de toda existência! Nós somos apenas herdeiras dessa grande e destemida nômade.
Quem é que consegue apontar-lhe alguma procedência ou destino? Pura liberdade e desobediência! Não se move por ordem ou moral. É radicalmente aberta e imprevisível. Quem mais poderia encarnar tamanha ousadia e vadiar com a mesma beleza e sabedoria?
As mulheres podem!
E quem mais se deixar tomar pela vida.